SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE PIRACICABA

Revista MIT Technology Review publica entrevista com prefeito Gabriel Ferrato

18 de fevereiro de 2016 • Coordenação DAF

A revista norte-americana MIT Technology Review, do Massachusetts Institute of Technology publicou nesta quarta-feira, 17 de fevereiro, a entrevista concedida pelo prefeito Gabriel Ferrato a respeito dos mosquistos geneticamente modificados utilizados no combate do Aedes aegypti. O mosquito transgênico é testado em Piracicaba desde abril de 2015 pela empresa Oxitec, em parceria com a Prefeitura de Piracicaba e Secretaria Municipal de Saúde (SMS).

Piracicaba foi a primeira cidade do Estado de São Paulo a utilizar os mosquitos geneticamente modificados. Chamados de Aedes do Bem, eles não picam pessoas nem transmitem doenças porque são machos. Carregam um gene que faz com que, após copularem com as fêmeas, seus filhotes morram antes da fase adulta. Dessa forma, a população é reduzida gradativamente. Na entrevista, Ferrato diz que busca financiamento do Estado para expandir o programa.

Clique aqui e confira a publicação original em inglês. Se preferir, acompanhe abaixo a tradução na íntegra.

 

Por dentro da fábrica do mosquito que pode parar a dengue e o Zika

Mosquitos geneticamente modificados parecem deter a propagação das doenças – mas o Brasil, ou qualquer outro país, pagariam por eles?

Por Flávio Devienne Ferreira | Imagens: Victor Moriyama

Às 7h de um dia de verão em Piracicaba, cidade brasileira do Estado de São Paulo, Cecilia Kosmann sentou-se na parte traseira de uma van cercada por recipientes plásticos cheios de mosquitos Aedes aegypti modificados. A cada dois minutos ou menos, ela balançou um recipiente através de um funil plástico, liberando-os para o ar fresco de fora.

No momento em que a van terminou sua rota diária no bairro, ela havia soltado cerca de 250 mil deles.

Esses mosquitos irão usar seu tempo competindo, copulando e, sendo tão numerosos, oprimindo a população de machos selvagens na busca por fêmeas. Devido a uma alteração genética em seu DNA, eles viverão apenas quatro dias e seus filhos nunca irão se desenvolver além da fase de larva.

Os insetos foram desenvolvidos pela Oxitec, empresa britânica que os chama de “Aedes do Bem” e são produzidos em um laboratório localizado a uma hora de distância de carro do bairro onde estão sendo soltos. Embora os insetos ainda não estejam comercialmente disponíveis, o programa-piloto em Piracicaba tornou-se um teste para saber se insetos geneticamente modificados podem parar a doença – e, em caso afirmativo, se seu custo pode ser pago por uma cidade.

O projeto em Piracicaba começou em abril de 2015, um ano depois de uma epidemia de dengue com mais de 1,5 milhão de casos no Brasil. Depois de 10 meses de testes em dois pequenos bairros, o número de casos de dengue entre os 5.600 habitantes caiu de 133 em um ano para apenas um. O prefeito da cidade, Gabriel Ferrato, afirma que busca financiamento do Estado para a expansão do programa. “Se tivesse os recursos necessários agora, adotaria o método em toda Piracicaba”, diz ele.

Dinheiro não é fácil de se encontrar agora no Brasil, que passa por grave crise política e econômica. Sua moeda despencou, e um escândalo de corrupção em sua empresa de petróleo atingiu o gabinete da presidente. Agora, o país é também o epicentro da epidemia de Zika, enquanto seus políticos trocam acusações e buscam culpados por isso. Há especulações de que outros países possam boicotar os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. “Estamos perdendo feio a batalha contra o Aedes”, disse o ministro da Saúde do Brasil, em janeiro.

Mas o problema também transforma o país em um viveiro para novas tecnologias. Além de mosquitos geneticamente modificados, há experiências que utilizam mosquitos infectados pela bactéria Wolbachia, que pode impedir a propagação das doenças. Uma pesquisa sobre isso tem o apoio de US$ 40 milhões da Fundação Bill e Melinda Gates, que espera poder ampliá-la no Brasil nos próximos meses. Uma abordagem mais futurista, que usa a edição genética para erradicar os mosquitos, está longe de ser aplicada atualmente.

Em agosto do ano passado, a Oxitec – que também lançou mosquitos no Panamá e Ilhas Cayman – , foi adquirida por US$ 160 milhões pelo conglomerado norte-americano Intrexon, que tem um portfólio de organismos transgênicos, incluindo salmão e macieiras. Agora que o Brasil luta contra o Zika e a dengue, ambos transmitidos pelo Aedes, como o chikungunya, cresceu o interesse no país pela tecnologia. “O momento de crise vai passar, mas temos a certeza de que nossa tecnologia veio para ficar”, diz Glen Slade, diretor de operações da Oxitec Brasil.

Os insetos transgênicos são criados na cidade de Campinas, em um laboratório com capacidade para produção de dois milhões de mosquitos por semana. Em uma sala, os mosquitos acasalam e as larvas resultantes são divididas por sexo.

Há algumas décadas, o Brasil triunfou sobre o Aedes por meio da pulverização de inseticidas e a mobilização da população para eliminação de água parada, onde os insetos colocam seus ovos. O objetivo era combater a febre amarela urbana, e em 1958, as autoridades brasileiras declararam que o mosquito havia sido erradicado do país. Mas o Aedes retornou, possivelmente em um navio estrangeiro, na década de 70, e encontrou terreno fértil em meio à caótica expansão das cidades e favelas do Brasil.

“Mesmo uma pequena quantidade de água, em um papel de bala jogado em algum lugar, pode ser um terreno fértil para os ovos do Aedes”, diz Margareth Capurro, professora de biociências da Universidade de São Paulo, que já trabalhou com a Oxitec. “Temos de usar todos os métodos de controle disponíveis agora, todas as armas que se possa imaginar”.

A liberação dos mosquitos da Oxitec precede anos de pesquisa e promoção no Brasil. Apesar de terem sido aprovados em 2014 pela CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), eles não podem ser comercializados até que a empresa obtenha certificação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Os mosquitos transgênicos possuem críticos. Uma teoria da conspiração que circula na Internet os coloca como epicentro do surto de Zika. Embora sejam rumores sem fundamento, são tão difíceis de erradicar como o próprio Aedes. O envolvimento de uma empresa com fins lucrativos apenas estimula a especulação. “OGMs são aceitos quando estão em fase de pesqusia, mas quando há uma empresa por trás deles, algumas pessoas começam a ver a comercialização da pesquisa como errada”, diz Capurro.

A estratégia da Oxitec pode ser mais cara do que outras alternativas. Isso porque para que ela funcione, um grande número de mosquitos – devido à necessidade de competição com o mosquito selvagem – precisa ser continuamente liberado. Como exemplo, a Oxitec afirma que para proteger cerca de 5.600 pessoas que residem na área teste, tem soltado de três a quatro milhões de mosquitos mensalmente. Proteger toda a cidade de Piracicaba, onde a empresa irá construir uma nova fábrica, teoricamente necessitaria de três bilhões de insetos por ano.

A Oxitec não disse quanto custam os mosquitos, mas as autoridades em Piracicaba esperam eventualmente pagar R$ 30, ou US$ 7,50 por ano, por habitante. A conta para uma cidade com 390 mil habitantes poderia chegar a US$ 2,7 milhões por ano. Isso é o que a Secretaria de Saúde gasta atualmente com nebulização, larvicidas e custos como licenças médicas e o tratamento de pacientes.

Mas as autoridades da cidade acreditam que podem mudar a forma de combate ao mosquito e confiam nos mosquitos transgênicos. “A realidade é que, com o sucesso do Aedes do Bem, os métodos tradicionais podem ser abandonados”, diz Carlos Eduardo Luccas Castro, porta-voz do Gabinete do prefeito.

Embora tecnicamente a Oxitec ainda não possa vender os mosquitos no Brasil, o Gabinete de Ferrato anunciou em janeiro um acordo para investir US$ 800 mil em dois anos para expansão do programa para proteger 60 mil habitantes. Em um FAQ online, a Oxitec diz que o pagamento é uma “contribuição” para um estudo de “otimização”.

A Oxitec desenvolveu o mosquito geneticamente modificado pela primeira vez em 2002, adaptando a já conhecida técnica de liberação de machos estéreis para competirem com os companheiros selvagens. Seus mosquitos não são estéreis. Em vez disso, carregam uma proteína que irá matá-los a menos que recebam o antibiótico tetraciclina. Sem a substância, os machos soltos morrem rapidamente, assim como seus descendentes.

Por conta de uma segunda modificação genética – um marcador fluorescente – as larvas brilham quando expostas a uma luz especial, o que permite sua identificação e diferenciação em relação às larvas selvagens. Os dados coletados na cidade pela Oxitec indicam que o projeto reduziu em mais de 80% as larvas do mosquito selvagem no bairro tratado.

Secretário de Saúde de Piracicaba, Pedro Mello acredita que as vacinas são o que realmente irão controlar os vírus da dengue e Zika, mas enquanto elas não estão disponíveis, ele diz que “é preciso investir em novas tecnologias para o controle do mosquito”.

“O Brasil ainda está usando métodos que têm sido utilizados desde o início do século 20”, diz Mello. “O mosquito geneticamente modificado chega a lugares onde os outros métodos não podem alcançar – no escuro, por trás de móveis e debaixo das mesas, dentro das casas das pessoas e seus arredores”.

Até agora, o prefeito Gabriel Ferrato adotou uma proposta gradual em relação aos mosquitos da Oxitec, deixando a população se acostumar com a ideia de mosquitos geneticamente modificados voando no entorno de suas casas. Mas ele tem planos mais ousados. Com a abertura de uma nova fábrica de mosquitos da Oxitec na cidade, ele acredita que Piracicaba possa ter uma nova indústria de exportação. “Podemos nos tornar fornecedores de mosquitos para qualquer outra cidade do Brasil”, acredita.

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